top of page

Obsolescência programada

  • Foto do escritor: Nós
    Nós
  • 12 de nov. de 2019
  • 4 min de leitura

Um dos princípios da economia compartilhada é a sustentabilidade: este modelo busca mudar o comportamento dos consumidores para que eles deixem de jogar coisas fora e busquem consertar e passar para frente. Isto contribui com o meio ambiente e com uma sociedade mais consciente. Uma prova disso são as plataformas de aluguel de roupa, nas quais os usuários compartilham suas peças e faz algumas manutenções para mante-las.


Mas, por outro lado e principalmente na indústria da tecnologia, há a obsolescência das coisas – uma forma que algumas empresas encontraram para vender mais fazendo os produtos terem uma vida útil curta e se tornarem obsoletos com facilidade; ou lançarem um produto atrás do outro, fazendo com que as pessoas tenham a sensação de que têm algo ultrapassado e antigo.


Pensando nisso, o advogado Sérgio Palomares, do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), entrou em um processo contra a Apple após o lançamento da quarta geração do iPad, ou iPad 4. O instituto alega que o produto não teve inovações tecnológicas em comparação à terceira geração, o que não justificaria o lançamento e caracterizaria em uma ação de obsolescência programada.


Como a obsolescência programada funciona?

A obsolescência programada não é uma novidade no mercado. Esta prática começou na década de 1920 com a indústria de lâmpadas. Um cartel que reunia fabricantes de todo o mundo decidiu que as lâmpadas teriam uma validade de apenas 1.000 horas, muito embora a tecnologia da época já pudesse produzir lâmpadas mais duráveis. Inclusive, uma lâmpada de 100 anos ainda permanece acesa na cidade de Livermore, estado da Califórnia, até os dias atuais. Com a redução da vida útil das lâmpadas, as empresas garantiriam consumidores para os seus produtos. A longa durabilidade, por outro lado, impactava nas vendas.


Com a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1920, instalou-se a crise e os Estados Unidos mergulharam na Grande Depressão. Como consequência, o consumo despencou e a obsolescência programada se tornou uma prática, consolidando-se como uma estratégia de retomada do crescimento.



Na sua opinião, por que as empresas investem em produção de produtos com obsolescência planejada?

A indústria é sábia em se aproveitar disto. Cada vez mais, estimula este comportamento de consumo pelo consumo. Isto faz com que o consumidor tenha um sentimento de urgência na compra, mesmo estando consciente de que não necessita da coisa, passa a acreditar que não pode viver sem ela.

O fenômeno da obsolescência programada, também conhecida como obsolescência perceptiva, acontece quando a vida do produto é encurtada de forma que se torne obsoleto ou que cause no consumidor a (falsa) percepção de que se tornou obsoleto em razão de uma nova versão ou de um novo produto lançado. O intuito de forçá-lo a substituir o que já tem pelo supostamente mais moderno, alimentado a insatisfação pelo sentimento de desatualização caso a compra não aconteça.


Há também outra forma de obsolescência: a de programar o produto para torná-lo não-funcional ou apenas limitar o seu uso ou funcionamento. Um exemplo é o que fez a Apple no caso da bateria da primeira geração do iPod, quando pretendeu forçar os consumidores à troca do produto por um mais novo. Isto serve para ilustrar como esse fenômeno industrial e mercadológico da obsolescência programada pode ser multifacetado.



O senhor foi um dos responsáveis pela ação contra a Apple, certo? Como foi esse processo? Qual foi o resultado? Quais foram os motivos que te levaram a denunciar a empresa?

Correto, sou o advogado que produziu a tese em nome do IBDI contra a Apple. O caso ainda está em curso, no qual a Apple vem se sagrando vencedora na disputa. No entanto, ainda pendem de julgamento alguns recursos e não é possível afirmar que o resultado da ação já esteja definido. A ação nasceu como consequência da inquietação do IBDI em torno da pontual prática nociva da Apple naquele episódio do lançamento da versão de quarta geração do iPad.

Em que a obsolescência programada impacta no meio ambiente? E na sociedade?

Essa é uma prática perversa e nociva nas relações de consumo. Apesar disto, a sociedade atual – capitalista e consumista na sua essência – parece ter se tornado cada vez mais complacente e permissiva com esse nefasto comportamento da indústria. É um processo de retroalimentação constante e um ciclo infinitivo de consumo. A consequência é ver que os prazos de lançamentos de produtos têm se tornado cada vez menores, às vezes chegando ao cúmulo do irracional de ter situações de produtos serem substituídos em apenas algumas semanas, o que revela comportamento para lá de insano.


Diante da história e no plano da teoria, a obsolescência programada até engana e parece ser positiva, pois estimula o consumo e faz a indústria evoluir, notadamente a de tecnologia. Mas ela traz graves consequências. Abrindo-se uma janela para o futuro, o planeta certamente pagará a conta, na exata proporção em que o descarte em massa passa a ser um padrão em igualdade de concorrência com o consumo de massa, gerando lixo eletrônico e tóxico em abundância.


Mas, este é apenas um ângulo do problema causado pela obsolescência programada. O outro – tão nefasto quanto o ambiental – é o que se relaciona com as relações de consumo. Independentemente da evolução das normas protetivas do consumidor, elas se tornam cada vez mais vulneráveis e fragilizadas diante da velocidade de lançamentos de produtos que a indústria em geral (e em especial a de tecnologia) tem feito neste século. Isto provoca no consumidor uma inquietude latente pelo consumo desmedido, numa perseguição, tão insana quanto efêmera, pelo produto mais atual.



Quais são as ações que as empresas poderiam ter em vez da obsolescência programada?

Algumas empresas, sensíveis aos resultados da prática da “descartalização”, deram a durabilidade dos seus produtos. Atender ao anseio dos consumidores por produtos mais duráveis deve sinais de preocupações com tornar-se uma tendência tecnológica da indústria. Como exemplo, a Philips vem comercializando lâmpadas que duram até 25 mil horas de uso contínuo e seus “produtos verdes” representaram algo em torno de 40% do total das suas vendas, tendo lançado mais de 800 produtos ecologicamente corretos nos últimos anos.


Lançar produtos com durabilidade maior e estimular o consumo consciente são formas práticas e leais de atuação comercial. No entanto, esse parece não ser um jogo que interesse à indústria, que necessita cada vez mais aumentar o seu faturamento e estimular o seu crescimento e participação no mercado.

Comments


bottom of page