Moda compartilhada
- Nós
- 2 de nov. de 2019
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Plataformas de aluguel de roupa e brechós online contribuem com a conscientização do consumo e a sustentabilidade
Foi como uma forma de protesto que Ana Mastrochirico começou sua carreira, em 2014, quando decidiu se rebelar contra as tendências de blogueiras que postavam fotos de “look do dia”. “Queria mostrar que é possível ter estilo vestindo roupas usadas”, explica.
Influenciadora pioneira no assunto, Ana começou a vender peças garimpadas quando viu que as pessoas gostavam de como se vestia. Mas, dois anos antes de iniciar as vendas do seu negócio “O Garimpo”, criado em 2016, ela já tinha um blog especializado, o “Garimpo Mag”. Hoje, além de se dedicar à escrita e ao brechó, ela presta consultoria a pessoas que querem empreender na área, com o Projeto Mina.
A facilidade da internet foi um dos grandes impulsionadores para o crescimento de brechós online e de plataformas de guarda-roupas compartilhados. Os aluguéis de roupa chegaram para ficar e dominaram o dia a dia de quem busca ter um consumo mais consciente, sem a limitação de peças. Aplicativos como Enjoei e OLX também contribuíram para a quebra do preconceito com peças seminovas: “trouxe o Hype para o conceito ‘usado’”, comenta Ana.

O futuro da moda é sustentável
A indústria da moda é uma das mais poluidoras do mundo. As marcas fast-fashion, empresas que produzem peças em grande escala, costumam descartar ou queimar roupas que não são vendidas e “saíram de linha”, além de desperdiçarem grande quantidade de água e energia para produzir peças.
O AirCloset, plataforma de casacos compartilhados inspirado em aplicativos de economia colaborativa, como o Uber e Airbnb, teve como uma das motivações o meio ambiente e a grande quantidade de produtos descartados na indústria da moda: “Na tentativa de melhorar esse cenário e frear esse ciclo, a AirCloset vem na contramão do consumo”, aponta a CEO e fundadora, Camila Siqueira.
A iniciativa foi criada há dois anos, em Gramado, no Rio Grande do Sul, onde está alocado com duas lojas físicas. Focado nos turistas, a ideia é que o cliente possa ter a experiência da moda local da cidade sem precisar comprar uma peça que não usará de novo. O processo é feito todo online e as roupas são disponibilizados por lojas de venda de casacos que separam um estoque só para locação.

“A partir do momento que transformamos a moda e, consequentemente, a forma como produzimos e consumimos roupas, muda toda a nossa relação com nós mesmos, com as pessoas e com planeta”, conta Barbara Poerner Pereira, da equipe de comunicação da organização de sustentabilidade da moda Fashion Revolution.
Presente em mais de 90 países, o movimento busca engajar pessoas e questionar empresas sobre produção consciente com a pergunta-norte: “Quem fez minhas roupas?”. O objetivo é combater o trabalho escravo, além de contribuir com a sustentabilidade.
Também foi pensando na conscientização do consumo que a House of All, conjunto de casas com negócios compartilhados, criou um espaço só para roupas: a House of Bubble. Com lavanderia e guarda-roupa compartilhado, a biblioteca fashion nasceu em 2016 com o objetivo de disponibilizar itens. “É sobre comprar menos coisas”, explica Mayra Aguiar, gerente administrativa do espaço, que fica localizado em Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo.
Com o acervo composto por peças de marcas parceiras, o serviço funciona de forma simples: o cliente assina um contrato e pode utilizar de uma a seis peças por vez, quantas vezes quiser. Os planos têm os valores de R$ 50,00 para uma peça, R$ 130,00 para três peças e R$ 180,00 para seis peças.
Uma das soluções do House of Bubbles para frear a indústria fast-fashion é pedir que as marcas parceiras doem roupas paradas no estoque, que seriam jogadas fora ou queimadas.

Razões
Preservar o meio ambiente, tornar as relações mais próximas e fortalecer a interação entre as pessoas. Barbara acredita que, além de melhorar questões climática, o consumo consciente pode ainda reverter a “crise na sociedade”. Já Ana aponta que um dos motivos pelos quais muitas pessoas compram de brechó é a vontade de ajudar o próximo e contribuir com pequenos empreendedores, que buscam uma forma de complemento de renda nessas plataformas.
Samuel Isaias Machado, por exemplo, criou o brechó online “Quintal do Sam”, há um ano, como uma alternativa ao desemprego: “juntei uma forma de ganhar dinheiro fazendo o que gosto, que é garimpar”. Com entregas para Jacareí e São Paulo, o microempreendedor garante roupa de qualidade e preços justos para seus clientes.
Antes de migrar de vez para o Instagram, Sam tentou vender algumas peças pelo Enjoei, mas as taxas do aplicativo fizeram ele perceber que valia mais a pena vender por conta própria. “É uma plataforma legal para quem quer se desfazer de algumas coisas que estão paradas no armário, mas as taxas são abusivas”, opina Ana.
Menos é mais
Mayara conta que o consumo imediatista faz com que as pessoas comprem coisas que vão usar só uma vez ou que não precisam. “Às vezes achamos que vai combinar com algo que temos em casa e não combina”. Para ela, o aluguel de roupa pode servir como uma forma de testar a peça antes de adquiri-las. “Não queremos que as pessoas parem de comprar, mas que tenham mais consciência”.
Outra forma de usar o House of Bubbles é emprestar roupas que estão paradas no armário e dar uma nova funcionalidade para elas. “Muitos assinantes têm coisas que não usam mais, mas não querem doar ou vender. Eles deixam aqui por um tempo e, às vezes, acabam desapegando 100% da peça”.
Para Bárbara, ter o acesso em detrimento da posse é uma grande evolução de consciência. “É muito legal colocar peças e coisas que estão paradas para girar. Conseguir dar um novo sentido e uma nova vida para elas. Tudo o que subverte nossa lógica capitalista é um passo dado para conseguirmos transformar a sociedade”.
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